A postura sistêmica na advocacia como um comportamento ético profissional
Introdução
O(A) advogado(a) é um profissional que tem domínio do direito, das leis e dos procedimentos legais e processuais, tendo uma função técnica jurídica, que externaliza a real vontade do cliente.
A postura sistêmica amplia a consciência e transforma a percepção sobre os conflitos, propondo a releitura do conflito.
As bases para a atuação da postura sistêmica, são: o não julgamento, a empatia, a escuta ativa e a comunicação não violenta, olhando para todas as partes envolvidas na relação jurídica.
De modo que, segundo a Presidente da primeira Comissão de Direito Sistêmico do país na OAB, em Santa Catarina, Dr.ᵃ Eunice Schlieck1:
(…) a partir do conhecimento sistêmico o (a) advogado (a) tem condições de auxiliar o cliente a acessar o que está implícito na demanda e encontrar consequentemente a melhor solução técnica para o caso. Independentemente da diversidade de formações e experiências pessoais que enriquecem o olhar e a percepção desse profissional, ao atuar como advogado(a) ele deve ter clareza do seu LUGAR naquela questão, qual seja, proporcionar ao cliente uma solução técnico-jurídica pacificadora (…).
Desenvolvimento
Uma das bases para a atuação da postura sistêmica, de grande importância, é a comunicação não violenta.
O que diz o Código de Ética e Disciplina da OAB sobre o comportamento do(a) advogado(a):
Art. 44: Deve o advogado tratar, …, os colegas, … com respeito, discrição e independência, exigindo igual tratamento…
No capítulo II, do Código de Processo Civil, que fala dos deveres das partes e de seus procuradores, e de todos os que de qualquer forma participem do processo, diz que:
Art. 78: É vedado às partes, a seus procuradores, aos juízes, aos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e a qualquer pessoa que participe do processo empregar expressões ofensivas nos escritos apresentados.
§ 1º Quando expressões ou condutas ofensivas forem manifestadas oral ou presencialmente, o juiz advertirá o ofensor de que não as deve usar ou repetir, sob pena de lhe ser cassada a palavra.
§ 2º De ofício ou a requerimento do ofendido, o juiz determinará que as expressões ofensivas sejam riscadas e, a requerimento do ofendido, determinará a expedição de certidão com inteiro teor das expressões ofensivas e a colocará à disposição da parte interessada.
Assim, observa-se que, o comportamento sistêmico, com postura pacificadora do(a) advogado(a), já é algo descrito inclusive em lei, tanto no Código de Ética da Advocacia como no Código de Processo Civil.
Ademais, a postura sistêmica não se trata de um método alternativo de solução de conflitos, mas busca utilizar as várias formas integrativas de resoluções de conflitos, com uma mudança de paradigma na forma em que lidamos com os conflitos.
A abordagem pode ser utilizada nas mais diversas áreas do Direito e em qualquer fase do conflito. Podendo ser utilizada no âmbito consultivo (na elaboração de contratos e como base para compreensão e fixação de acordos), quanto no âmbito de gestão e solução de conflitos, quer seja numa fase pré-processual, quer concomitante ao próprio andamento de um processo judicial.
Há várias formas integrativas de resoluções de conflitos: conciliação, mediação, técnicas de negociação, justiça restaurativa, práticas cooperativas e colaborativas.
Na minha visão, a postura sistêmica está muito ligada às práticas cooperativas. O(A) advogado(a) cooperativo(a), é humanizado e trabalha com cooperação entre as partes do processo, advogados e o judiciário, com atuação judicial. O advogado colaborativo tem o dever de não judicializar, atuação exclusiva extrajudicial:
As Práticas Colaborativas são um método não adversarial e extrajudicial de gestão de conflitos, que conta com uma equipe multidisciplinar (advogados, profissionais de saúde, especialistas financeiros, entre outros), devidamente capacitada pelo Instituto Brasileiro de Práticas Colaborativas–IBPC, ou outro Instituto que atenda os padrões estabelecidos pelo IBPC (www.praticascolaborativas.com.br). Nas Práticas Colaborativas os advogados de ambas as partes trabalham em parceria e assumem o compromisso de não recorrer ao Judiciário caso o acordo não seja alcançado. Para tanto, é assinado um Termo de Compromisso com cláusula específica de não litigância e confidencialidade.2
O Código de Processo Civil contempla muitas regras sobre o fomento a meios consensuais de abordagem de conflitos:
Art. 3º: (…) § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Art. 319. A petição inicial indicará:
(…) VII-a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação, ou de mediação.
Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
(…) § 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não podendo exceder a 2 (dois) meses da data de realização da primeira sessão, desde que necessárias à composição das partes.
(…) § 4º A audiência não será realizada:
I-se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;
II-quando não se admitir a autocomposição.
§ 5° O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu deverá fazê-lo, por petição, apresentada com 10 (dez) dias de antecedência, contados da data da audiência.
(…) § 8° O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.
§ 9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos.
De modo que, embora haja formas de resolução de conflito de maneira consensual e até mesmo sem que haja processo ou que haja somente um pedido de homologação de acordo, muitas vezes tais formas são ineficazes naquele caso concreto, então, a ideia é de que, mesmo que haja um litígio e se judicializando este litígio, é preciso ter um comportamento e visão sistêmica e harmônica para este conflito, no mínimo que se tenha a cooperação processual:
Art. 4º: As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 5º: Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se conforme a boa-fé.
Art. 6º: Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Chamo atenção também para o art. 190 do CPC que muito desconhecem:
“é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.”
E o artigo 191: “de comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.”
Assim, os artigos 190 e 191 do CPC permitem que, os prazos processuais possam ser majorados ou reduzidos, conforme estipulação das partes, uma forma clara de cooperação processual entre as partes.
O Código de Ética e Disciplina da OAB também dispõe sobre o comportamento do advogado com relação às práticas conciliatórias:
Art. 2º-parágrafo único:
São deveres do advogado:
(…) VI-estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios;
VII-aconselhar o cliente a não ingressar em aventura judicial; (…)”
Art. 8º: O advogado deve informar o cliente, de forma clara e inequívoca, quanto a eventuais riscos da sua pretensão, e das consequências que poderão advir da demanda.
Fato é que, o poder judiciário está abarrotado. A expansão do acesso à justiça e de oportunidade de criação de vias extrajudiciais propiciada pelas novas tecnologias permeou os debates em torno de dois trabalhos acadêmicos apresentados na 23ª rodada dos Seminários de Pesquisas Empíricas Aplicadas a Políticas Judiciárias promovida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em setembro de 2022, ano passado3. Conforme a Procuradora-Geral Federal, Dr. ᵃ Fernanda Suriani, no que se refere ao acesso à justiça, atualmente, segundo dados apresentados, há mais de 75 milhões de processos judiciais tramitando nos tribunais brasileiros; sendo que, as reformas processuais mais recentes estão mais preocupadas com celeridade e eficiência da justiça para tratar desse volume de processos.
Poder Judiciário brasileiro leva, em média, 4 anos e meio para executar as decisões dos juízes, foi o que levantou o Relatório Justiça em Números produzido pelo CNJ em 2017, e, o levantamento foi apresentado não incluiu dados do STF4
Bem, em 2007, com a promulgação da Lei 11.441 /07 e a Resolução 35 do CNJ, passou a permitir a realização de inventário, partilhas, separação consensual e divórcio consensual por vias administrativas, isto é, extrajudiciais, em cartórios. E traz como requisito o consenso entre as partes.
Conclusão
Uma visão sistêmica significa ter em mente o que se deseja resolver, escolhendo a maneira certa ou a mais adequada, contemplando todas as partes envolvidas.
O objetivo deste artigo e dos trabalhos desenvolvidos pelas Comissões de Direito Sistêmico da OAB/DF gestão 2022/2024, a qual eu presido, é a ideia de difundir a advocacia sistêmica e a conscientização dos(as) advogados(as) sobre o tema, e sobre a importância em se ter um direito mais humanizado, buscando assim também um judiciário mais célere e eficaz, com protagonismo das partes envolvidas.
É muito importante a consciência do(a) Advogado(a) e que, seja passado para as partes, que, o mais importante não é o encerramento do processo, mas sim a solução do problema, para que, inclusive, no judiciário, tudo fique resolvido de maneira que o cliente não precise retornar ao judiciário, pelo menos não tão cedo com o mesmo caso.
A adoção do pensamento sistêmico com a postura sistêmica, está relacionado diretamente ao princípio da eficiência.
Sempre que queremos uma mudança, esta mudança tem que começar por nós.
Referências
- https://www.oabes.org.br/arquivos/CARTILHA_DO_ADVOGADO_COM_POSTURA_SISTAMICA_2.pdfDisponível em janeiro de 2024.
- https://www.oabrj.org.br/arquivos/files/Cartilha_de_Praticas_Colaborativas_-_OABRJ.pdfDisponível em janeiro de 2024.
- https://www.oab.org.br/content/pdf/legislacaooab/codigodeetica.pdfDisponível em janeiro de 2024.
- https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htmDisponível em janeiro de 2024.
- https://www.cnj.jus.br/pesquisas-abordam-acesso-a-justica-e-vias-extrajudiciais-para-solucao-de-conflitos/Disponível em novembro de 2023.
- https://www.poder360.com.br/justica/justica-leva-em-media-4-anos-e-meio-para-cumprir-sentencas/Disponível em novembro de 2023.
Marcela Mª Furst Signori Prado
Brasília, 02 de agosto de 2024
- 1https://www.oabes.org.br/arquivos/CARTILHA_DO_ADVOGADO_COM_POSTURA_SISTAMICA_2.pdf
- 2https://www.oabrj.org.br/arquivos/files/Cartilha_de_Praticas_Colaborativas_-_OABRJ.pdf
- 3https://www.cnj.jus.br/pesquisas-abordam-acesso-a-justica-e-vias-extrajudiciais-para-solucao-de-conflitos/
- 4https://www.poder360.com.br/justica/justica-leva-em-media-4-anos-e-meio-para-cumprir-sentencas/
- Artigo publicado no livro Advocacia Sistêmica e a Justiça Multiportas - Editora Lumen Juris, agosto/2024, págs. 133/140.